terça-feira, 26 de maio de 2009


Para Refletir!

Seres humanos são tão pequenos quando comparados ao Universo, não são ?
Então não seja tão preocupado com tudo,

Aprecie cada momento, fazendo o que você quer fazer….

Abra sua mente e seus pontos de vista,

Não se preocupe com tudo que o aborrece,

Ame sua vida, viva com segurança e pacificamente,

Sempre agradeça a chegada de um novo amanhecer.... veja como o Sol brilha….


Equipe Ler é Saber



Fotos da primeira oficina de 2009 - 8 e 9 de maio


Histórias extraordinárias

Gabriela Hoffmann Lopes


A emoção mais forte e mais antiga do homem é o medo, e a espécie mais forte e mais antiga é o medo do desconhecido.

H.P. Lovecraft
Histórias extraordinárias, que envolvem mistérios, acontecimentos sobrenaturais ou simplesmente inexplicáveis têm atraído um grande número de leitores, o que se pode verificar em uma rápida consulta a listas de livros mais vendidos ou a catálogos de editoras com os últimos lançamentos. Uma busca mais cuidadosa revela a existência de uma vasta produção literária com essa proposta, tanto em obras voltadas a crianças e jovens quanto em obras voltadas a adultos. É possível notar ainda que a temática do sobrenatural faz-se presente não só na literatura, mas na televisão e no cinema e há muito acompanha o homem por meio de relatos, transmitidos oralmente. A tentativa de discutir o tema, portanto, mostra-se importante e oportuna no âmbito dos estudos literários, visto que o gênero é considerado um dos mais apreciados por crianças e jovens. Não se pretende aqui, contudo, investigar o porquê dessa preferência, mas sim apresentar um apanhado de estudos acerca de narrativas sobrenaturais ou fantásticas. As razões da preferência de crianças e jovens (e, poder-se-ia dizer, de alguns adultos) por tais histórias poderão ser investigadas por outras áreas de conhecimento.
É impossível falar em histórias extraordinárias sem lembrar a importância da narrativa para o desenvolvimento do homem e sem mencionar o papel da oralidade em sua transmissão. A narrativa ocupa, pois, há muito tempo um espaço significativo na cultura humana. Em variados povos, em diferentes países, o gosto por contar histórias tem-se mostrado presente e é muito anterior à invenção da escrita. Desde os primórdios, a imaginação do homem valeu-se da narração para explicar a origem e a natureza das coisas, para transmitir um ensinamento salutar ou para divertir, simplesmente. Esse “relato de eventos”, ou “articulação de ações”, – definições pelas quais Marisa Lajolo compreende a narrativa (2005, p.5) – teve suas primeiras manifestações literárias por meio da oralidade e também por essa via é que foram inicialmente transmitidas. Mesmo sendo impossível precisar com exatidão os primórdios do ato de contar histórias, pressupõe-se um tempo remoto, não marcado pela tradição escrita.
Em busca da origem da narrativa, Nádia Batella Gotlib (1999) remete a 4000 anos antes de Cristo, época em que aparece a primeira coletânea de contos egípcios, chamada Os contos dos mágicos. Em seguida, ela cita as histórias bíblicas e os textos literários greco-latinos, bem como os contos orientais presentes em Pantchtantra, que data do século VI a.C., e em As mil e uma noites, do século X. Segundo a pesquisadora, enumerar as fases da evolução da narrativa seria, portanto, “percorrer a nossa própria história, a história de nossa cultura, detectando os momentos da escrita que a representam” (GOTLIB, 1999, p.6). As fontes da narrativa, bem como sua perpetuação, revelam, portanto, o antigo e estreito vínculo entre literatura e oralidade. Nos dias de hoje, esse vínculo parece por vezes esquecido, visto que o advento e o posterior domínio da forma escrita acabaram por tomar o lugar até então ocupado pela literatura oral na transmissão de saberes e no entretenimento dos homens.
A afirmação feita por Lovecraft, presente na abertura deste texto, além de incontestável, confirma a impossibilidade de localizar, na história humana, a data exata das primeiras manifestações literárias orais de histórias extraordinárias. Para o escritor e amante do sobrenatural Lovecraft, “o conto de horror é tão velho quanto o pensamento e a linguagem do homem” (1987, p.7) e sua sobrevivência, evolução e aperfeiçoamento ao longo do tempo justifica-se por ser o medo a mais antiga e profunda emoção humana. O medo do desconhecido pode ser encontrado nas mais antigas manifestações folclóricas; seus traços, contudo, são reconhecíveis ainda hoje na literatura clássica.
Na Idade Média, o gênero teve um enorme impulso, solidificado pela herança do folclore, da magia e do ocultismo. Foi assim que histórias de bruxas, vampiros, lobisomens e duendes ficaram incubadas na tradição oral até migrarem para a composição literária formal. No entanto, acrescenta o autor, tomam direções diferentes no Oriente e no Ocidente. A Europa apresentava outrora um solo fértil para o desenvolvimento de tipos e personagens sombrios de lendas e mitos, que persistiram na literatura de mistério até a atualidade, mais ou menos alterados. “Muitos deles foram tirados das mais remotas fontes orais, e são parte da herança permanente da humanidade” (LOVECRAFT, 1987, p.9). Alguns dos temas citados pelo estudioso são a sombra que reclama o sepultamento de seus ossos, o demônio apaixonado que rapta a noiva ainda viva, o condutor das almas dos mortos, o homem-lobo e o mágico imortal são recorrentes em um repertório de lendas medievais, compilado por Baring-Gould.
Os exemplos mais antigos apontados por Lovecraft são o caso do lobisomem, de Petrônio, as passagens de Apuleio, a carta “O moço e a sura”, de Plínio, e a compilação Dos prodígios, do grego Flégon. Os exemplos continuam em textos poéticos como os Edas e as Sagas da Escandinávia, em que ressoa o horror cósmico, ou nas lendas dos Nibelungos, em que abundam monstruosidades. Dante foi, segundo o autor, “um pioneiro na captura clássica da atmosfera macabra” (1987, p.10). Também se encontra o horror nas situações horripilantes de Morte d’Arthur, de Malory, nas bruxas de Macbeth e no fantasma de Hamlet, de Shakespeare. Segundo Lovecraft, o apogeu do romance gótico inicia-se com Matthew Gregory Lewis, por meio da obra O monge, publicada em 1796. A partir de então, romances góticos multiplicam-se; merecendo alguns mais atenção do que outros: é o caso de Melmoth, o vagabundo, de Charles Robert Maturin, de Frankenstein ou o Prometeu moderno, de Mary Shelley, ou de Morro dos ventos uivantes, de Emily Bronte, que é símbolo de uma transição literária, pois marca uma escola nova e mais saudável.
No continente europeu, o horror literário também prosperou; vejam-se, por exemplo, os romances e contos de E. T. A. Hoffmann, na Alemanha, ou as incursões em narrativas fantásticas de Victor Hugo e de Honoré de Balzac, na França. No entanto, para Lovecraft, é Theophile Gautier quem parece, em seus contos, “encontrar o autêntico senso francês do mundo irreal” (LOVECRAFT, 1987, p.42), sua essência encontra continuidade em Gustave Flaubert e em Prosper Merimée, com o conto “A Vênus de Ille”; os contos de horror de Guy de Maupassant, mesmo que expressem individualidades próprias do autor, “são de extremo interesse e pungência, sugerindo com tremenda força a iminência de inomináveis terrores e os implacáveis tormentos infligidos a um homem malfadado por representantes odiosos e ameaçadores da treva exterior” (LOVECRAFT, 1987, p.43).
Peça fundamental para a narrativa fantástica é a existência de Edgar Allan Poe, que instala uma “aurora literária” (LOVECRAFT, 1987, p.47) na década de 1830, por meio de sua produção. Lovecraft dedica um capítulo inteiro de seu ensaio a Poe, pois acredita que o escritor norte-americano tenha feito o que até então ninguém fizera ou seria capaz de fazer; desse modo, seria o responsável por instituir a moderna história de horror. Afirma o ensaísta que Poe estudou mais a mente humana do que os usos da ficção gótica e, além disso, trabalhou com as verdadeiras fontes do terror, o que tornou mais fortes suas narrativas e retirou da escola gótica a mera função de “confecção convencional de calafrios” (LOVECRAFT, 1987, p.49).
Ao passo que Poe representa a escola fantástica mais tecnicamente acabada, outro famoso escritor americano, Nathaniel Hawthorne, desponta, à mesma época, fundando outra escola com características diversas: “a tradição de valores morais, descrição amena e fantasia mansa e pachorrenta com toques de extravagância” (LOVECRAFT, 1987, p.56). De acordo com Lovecraft, em sua obra, as menções ao fantástico são sempre leves, fugidias e contidas. Hawthorne não deixou uma posteridade literária definida, ao contrário de Poe, que teve no irlandês Fitz-James O’Brien seu primeiro discípulo, seguido de Ambrose Bierce e de outros tantos, como Henry James ou Edward Lucas White, influenciados de alguma maneira por Poe.
No que tange às Ilhas Britânicas, Lovecraft cita e comenta os autores Rudyard Kipling, Lafcadio Hearn, Oscar Wilde, Matthew Phipps Shiel até chegar ao conhecido Bram Stocker, criador de Drácula, que se tornou praticamente o “padrão moderno na exploração do medonho mito dos vampiros” (1987, p.75) e que influenciou diversas produções posteriores.
As melhores histórias de horror do tempo em que Lovecraft redige seu ensaio, isto é, entre o final da década de 1920 e o início da de 1930, são, para ele, infinitamente mais dotadas de técnica e de conhecimento psicológico do que qualquer das amostras góticas de um século ou mais atrás. Nesse contexto, menciona Arthur Machen, Blackwood, Lord Dunsay e Montague Rhodes James como mestres do conto de horror moderno e diz que o gênero continuará existindo, embora se possa esperar uma maior sutilização de técnicas.
Em estudo posterior, publicado pela primeira vez em 1970, sob o título Introdução à literatura fantástica, Tzvetan Todorov (1975) ocupa-se especialmente da literatura fantástica, levantando questões sobre sua definição, suas formas e temas. O teórico define finalmente o fantástico como um evento em que há incerteza acerca de sua realidade; o evento ocorre no nosso mundo, mas parece ser sobrenatural, daí a hesitação por ele causada. Afirma ele:
O fantástico implica [...] uma integração do leitor no mundo das personagens; define-se pela percepção ambígua que tem o próprio leitor dos acontecimentos narrados [...]. A percepção desse leitor implícito está inscrita no texto com a mesma precisão com que o estão os movimentos das personagens (1975, p.37).
O fantástico consiste, para o estudioso, apenas no momento da hesitação da personagem ou do leitor. Ao fim da história, quando um ou outro decide se são as leis da realidade ou as do sobrenatural que regem o acontecimento narrado, define-se também um novo gênero ao qual se liga a obra: o estranho ou o maravilhoso. O estranho dá-se quando o sobrenatural é racionalmente explicado.
Nas obras que pertencem a este gênero, relatam-se acontecimentos que podem perfeitamente ser explicados pelas leis da razão, mas que são, de uma maneira ou de outra, incríveis, extraordinários, insólitos e que, por esta razão, provocam na personagem e no leitor reação semelhante àquela que os textos fantásticos nos tornaram familiar (TODOROV, 1975., p.53).
O conceito é, de acordo com Todorov, amplo e impreciso, pois também assim é o gênero que ele descreve. A pura literatura de horror pertenceria ao estranho. Já o maravilhoso é designado como sobrenatural aceito, pois não recebe explicações. Nele existem fatos sobrenaturais que não implicam reações particulares das personagens, nem mesmo do leitor implícito. O estudioso acrescenta ainda: “não é uma atitude para com os acontecimentos narrados que caracteriza o maravilhoso, mas a própria natureza desses acontecimentos” (1975, p.60). Ao gênero maravilhoso associam-se geralmente os contos de fada.
Em ambos os casos, não há o fantástico. Explica Todorov: “não existe aí o fantástico propriamente dito: somente gêneros que lhe são vizinhos. Mais exatamente, o efeito fantástico de fato se produz mas somente durante uma parte da leitura” (1975, p.48). No entanto, é falso pensar que o fantástico possa ocorrer somente em um trecho da obra, visto que existem textos capazes de manter a ambiguidade até seu final e além. Em obras que “mantêm por muito tempo a hesitação fantástica mas terminam enfim no maravilhoso ou no estranho” (TODOROV, 1975, p.50), os gêneros misturam-se e criam subgêneros transitórios, denominados fantástico estranho e fantástico maravilhoso. O fantástico estranho consistiria na apresentação de eventos sobrenaturais ao longo da história e em sua explicação racional, ao final de tudo. O fantástico maravilhoso, por sua vez, englobaria as narrativas que terminam com uma aceitação do sobrenatural e, portanto, sem explicação, motivo pelo qual se aproximam do fantástico puro.

Apresentados os apontamentos fundamentais de Lovecraft e Todorov acerca dessa literatura do medo – chamada por alguns de extraordinária, de fantástica ou de literatura de horror, sobrenatural por outros –, salienta-se a necessidade de mais estudos referentes a gênero, dada sua ocorrência na literatura e em ou produtos culturais, bem como sua permanência, desde tempos primordiais e o fascínio que exerce em leitores, ouvintes e espectadores de todas as idades. A tentativa de constituir uma rede temática em torno do assunto proposto pretende, portanto, auxiliar na elucidação de questões como a classificação conferida a esse tipo de narrativa, suas origens e características.

Referências bibliográficas
GOTLIB, Nádia Battela. Teoria do conto. São Paulo: Ática, 1999, 9ª ed.
LAJOLO, Marisa. A narrativa na literatura para crianças e jovens. In: BRASIL. Ministério da Educação. A narrativa na literatura para crianças e jovens. Boletim 19, outubro 2005. Secretaria da Educação Básica, p.5-8.
LOVECRAFT, Howard Phillips. O horror sobrenatural na literatura. Rio de Janeiro: Rio de Janeiro, 1987.
TODOROV, Tzvetan. Introdução à literatura fantástica. São Paulo: Perspectiva, 1975.
[1] Mestre em Teoria da Literatura pela PUCRS (2009) e graduada em Letras pela UNISINOS (2006). Endereço para contato: gabrielahlopes@yahoo.com.br



Lançamento - Ler é Saber 2009

No dia 17 de abril, sexta-feira, aconteceu na Feevale a cerimônia de lançamento da edição 2009 do Projeto Ler é Saber. O evento realizou - se às 15h30min, no Salão de Atos do Campus I, onde foram apresentados o planejamento das atividades, o regulamento e prazos a serem cumpridos, além de um histórico de edições anteriores. Foram convidados prefeitos, secretários de Educação e diretores de escolas que já aderiram ao projeto, assim como de instituições que ainda não participam.
Confiram algumas fotos do evento:

Alunos de Campo Bom


sexta-feira, 22 de maio de 2009

Fascículo III - 2008


Literatura e Sociedade


Estudo da relação entre obra e condicionamento social:
O externo, no caso o condicionante social, importa não como causa nem como significado, mas como elemento que desempenha certo papel na constituição da estrutura, tornando-se, portanto interno. Pode-se, para tanto, observar à aceitação de um livro, o gosto das classes, a origem social dos autores, a relação entre obras e idéias, a preferência por um gênero, a influência da organização social, política e econômica, etc.Como a sociedade define o papel e a posição do artista?Como a obra depende dos recursos técnicos para incorporar os valores propostos?Como se configuram os públicos?A análise crítica, de fato, pretende ir mais fundo, sendo basicamente a procura dos elementos responsáveis pelo aspecto e significado da obra, unificados para formar um todo indissolúvel, em que tudo é tecido num conjunto, cada coisa atuando e vivendo sobre a outra.Traços sociais funcionando para formar a estrutura do livro:A composição do livro repousa numa espécie de longa e complicada transação (com cenas de avanço e recuo, diálogos construídos como pressões e concessões, enredo latente de manobras secretas), no decorrer da qual a posição dos cônjuges vai se alterando. Vemos que o comportamento do protagonista exprime em cada episódio, uma obsessão com o ato de compra a que se submeteu, e que as relações humanas se deterioram por causa dos motivos econômicos.A heroína, endurecida no desejo de vingança, possibilitada pela posse do dinheiro, inteiriça a alma como se fosse agente duma operação de esmagamento do outro por meio do capital, que o reduz a coisa possuída.E as próprias imagens do estilo manifestam a mineralização da personalidade, tocada pela desumanização capitalista, até que a dialética romântica do amor recupere a sua normalidade convencional. No conjunto, como no pormenor de cada parte, os mesmos princípios estruturais definem a forma da matéria.Nesse tipo de análise, levou-se em conta o elemento social, não exteriormente como referência que permite identificar na matéria do livro a expressão de certa época ou de uma sociedade determinada, nem como enquadramento, que permite situá-lo historicamente; mas como fator da própria construção artística, estudado no nível explicativo e não apenas ilustrativo.Nesse caso saímos dos aspectos periféricos para chegar a uma interpretação estética que assimilou a dimensão social como fator de arte.O elemento social se torna um dos muitos que interferem na economia do livro, ao lado dos psicológicos, religiosos, lingüísticos e outros, fermento orgânico de que resultou a diversidade coesa do todo.Todavia faz-se necessária evitar a tendência devoradora de tudo explicar por meio dos fatores sociais.Tipos de estudos sociológicos em Literatura:Trabalhos que procuram relacionar o conjunto de uma literatura, um período um gênero, com as condições sociais.Estudos que procuram verificar a medida que as obras espelham ou representam a sociedade, descrevendo os seus vários aspectos.Estudo da relação entre a obra e o público, isto é, o seu destino, sua aceitação, a ação recíproca de ambos.Estudo da posição e da função social do escritor, procurando relacionar a sua posição com a natureza da sua produção e ambas com a organização da sociedade.Estudo da função política das obras e dos autores, em geral com intuito ideológico marcado.Em todos, nota-se o deslocamento de interesse da obra para os elementos sociais que formam sua matéria, para as circunstâncias do meio que influíram na sua elaboração, ou para sua função na sociedade.Fundamental, todavia é tomar cuidado ao considerar os fatores sociais no seu papel de formadores da estrutura, vendo que tanto eles quanto os psíquicos são decisivos para a análise literária e que é preciso, para a definição da integridade estética da obra, de ambos.Cândido, A. Literatura e sociedade. SãoPaulo: Companhia Editora Nacional.

Fascículo II - 2008


Olhares sobre os mitos

1. Aspectos gerais do mito


Daniel Conte


O anseio de respostas para questões cruciais da existência fez do Homem um ser em eterna diáspora subjetiva, sempre inconstante e em busca de uma explicação para sua origem. Uma das características do surgimento dos mitos, exercedores de funções práticas na ossatura social, é justificar tudo aquilo que não se pode racionalmente relacionar a fenômenos lógico-racionais. Então, o que foge à razão encontra nos rituais - (cerimônias) fundantes - um signo arquetípico que vai edificar as imagens gestadas desde o imaginário social. Essas imagens exemplares trazem os modelos comportamentais como sendo já uma herança cultural. E entenda-se, aqui, arquétipos por “certos esquemas estruturais, pressupostos estruturais de imagens (que existem no âmbito do inconsciente coletivo e que, possivelmente, são herdados biologicamente) enquanto expressão concentrada de energia psíquica, atualizada em objeto” (MELETÍNSKI, 2002, p. 20). Assim, ao evocar a presença desses arquétipos sacros, o Homem se torna contemporâneo deles, apropriando-se dos modelos trazidos.Se hoje a ciência e a tecnologia movem a humanidade e com suas associações se busca a explicação para as mais comuns das ocorrências mundanas, é possível dizer que a mitologia dos povos arcaicos os levou a sustentar-se em uma realidade que muitas vezes se apresentava de forma hostil. O certo é que urge a explicação do mundo e de suas manifestações e que, a reboque, vêm as possibilidades trazidas pela rede imaginária, pelo substrato simbólico regedor das referências, tudo se condensa na síntese dos valores sociais retratados. A visão de um mundo pré-lógico, pré-racionalista, a visão de uma organização social que vive sob a égide do tempo cíclico se ergue, sempre, alicerçada num silêncio construtor, como plasticamente escreve Juan Rulfo (1999), num movimento de sentido que é perfeitamente perpassado por aqueles iniciados ritualisticamente. Todo mito é “introduzido”, e alguns teóricos tratam como “anunciado”, por uma récita que evidencia as possibilidades de movimento de sentido a que nos referimos, isso porque nas sociedades autóctones erguidas sobre uma condição mítico-sacral, o mito tem um papel enaltecedor e codificador das crenças, salvaguardando os princípios morais enquanto oferece as regras para a orientação dos atores sociais. Consoante ao exercício desse papel, pode explicar a condição de um ser que co-existe naquele universo, e usá-lo como exemplo concreto, ditar seus valores morais ao mostrar as conseqüências, por exemplo, da ambição, do egoísmo, das práticas profanas, etc. Estamos, então, legitimando através do conhecimento empírico, a razão da ordem natural das coisas que constituem a trajetória destas organizações, dentro de seu entorno imaginário. E ao referirmo-nos a mitos, não estamos, seguramente, nos referindo a escalas de superioridade ou inferioridade hierárquicas, mas a necessidades que surgem do embate da vida do Homem com a História, a problemas e questionamentos sociais que são abarcados miticamente.O mito, esse “nada que é tudo”, como afirmou o poeta Fernando Pessoa, trabalha com o desconhecido, trata um objeto que a princípio não temos palavras para explicá-lo, então, habitamos sua significação sacra e o tornamos sacro em oposição a um outro-algo (o profano) que será sua sombra, fruto da tansgressão. De acordo com Armstrong (2005) a “mitologia em geral é inseparável do ritual. Muitos mitos não fazem sentido separados de uma representação litúrgica que lhes dá vida, sendo incompreensíveis num cenário profano” (p. 09). O que a autora quer dizer é que os mitos perdem sua função elementar se desconjugados do cerimonial que os eleva à condição de arquétipo modelar, aceito no coletivo social. A função pragmática do mito consiste na fundamentação da cooperação entre natureza e sociedade, normatizando funcionalmente essa mesma sociedade, transformando o caos em cosmos e explicando, consequentemente, a ordem social e cósmica (ELIADE, 1992).Antes de nos referimos à função simbólico-metafórica do mito, é bom deixar evidente que ele traz em sua essência duas características fundantes: uma é o silêncio dos inapropriados, pois a palavra que detém a constituição sígnica não pode ser vulgarizada, segundo Cassirer (1972). A outra, é sua eficácia que vai atribuir ao mito o valor de verdade, uma visão outra, mais profunda do que a apresentada na realidade, como ensina Eliade (1994). A “modernidade” composta pelos remanescentes do iluminismo europeu ignora, generalizando a afirmação, o alicerçe sustentador dessas sistematizações iniciais de psicologia, pois não leva em conta queAs histórias de deuses e heróis que descem às profundezas da terra, lutando contra monstros e atravessando labirintos, trouxeram à luz os mecanismos misteriosos da psique, mostrando às pessoas como lidar com suas crises íntimas. Quando Freud e Jung iniciaram a moderna investigação da alma, voltaram-se instintivamente para a mitologia clássica para explicar suas teorias, dando uma nova interpretação a velhos mitos (ARMSTRONG, 2005, p. 15).O que se pode dizer é que os Homens criaram mitos para explicar o mundo e a si próprios, os rituais e as récitas vão sustentar suas afirmações e a palavra toma uma importância singular na liturgia mítica, uma vez que dá vida aos arquétipos – herança psíquica e cultural que dá origem aos nossos valores morais. Essa característica, a da palavra habitada de sentido que se eleva soberana e significativa entre os homens - importantíssima dentro das culturas arcaicas - é totalmente avassalada pela verborragia inestancável semeada pela aridez significadora da não apropriação ritual, negando o poder transformacional do signo do qual vai falar Cassirer, 1972. Assim, ao se pensar em mito, logo temos que nos reportar ao rito, elemento fundamental na sustentação da imagem mítica. Ao se pensar em mito, logo temos de entendê-lo como um ingrediente fundamental da civilização humana.Referências BibliográficasARISTÓTELES; HORÁCIO; LONGINO. A poética clássica. São Paulo: Cultrix, 1997.ARMSTRONG, K. Breve história do mito. São Paulo: Cia das Letras, 2005.CARPENTIER, A. El reino de este mundo. Buenos Aires: Alfaguara, 1994.ELIADE, M. Mito do eterno retorno. São Paulo: Mercuryo, 1992.______. Mito e realidade. São Paulo: Perspectiva, 1994.CASSIRER, E. O mito do Estado. Lisboa: Europa-América, 1961.______. Linguagem e mito. São Paulo: Perspectiva, 1972.RULFO, J. Pedro Páramo. São Paulo: Paz e Terra, 1999.

Fascículo I - Idéias que viram histórias


Por que ler textos literários?

Professora Ms. Lovani Volmer

Antônio Candido (1995), quando se manifesta acerca dos Direitos Humanos e a Literatura, considera que são direitos do ser humano não apenas aqueles bens que asseguram sobrevivência física em níveis decentes, tais como moradia, alimentação, vestuário, instrução, saúde, entre outros, mas também os que garantem a integridade espiritual, como o direito à crença, à opinião, à arte e à literatura. Sendo a literatura a manifestação cultural de todos os homens em todos os tempos, não há povo e não há homens que possam viver sem ela, poisa literatura é o sonho acordado das civilizações. [...], ela é fator indispensável de humanização e, sendo assim, confirma o homem na sua humanidade, inclusive porque atua em grande parte no subconsciente e no inconsciente. [...] Cada sociedade cria as suas manifestações ficcionais, poéticas e dramáticas de acordo com os seus impulsos, as suas crenças, os seus sentimentos, as suas normas [...]. Ela não corrompe nem edifica, portanto; mas, trazendo livremente em si o que chamamos o bem e o que chamamos o mal, humaniza em sentido profundo, porque faz viver. (CANDIDO, 1995, p. 243-4).A produção literária, consoante Candido (1995), “tira as palavras do nada e as dispõe como todo articulado. [...] A organização da palavra comunica-se ao nosso espírito e o leva, primeiro, a se organizar; em seguida, a organizar o mundo” (p. 246).Para Fischer (1981), a arte “capacita o ‘Eu’ a identificar-se com a vida de outros, capacita-o a incorporar a si aquilo que ele não é, mas tem possibilidade de ser” (p. 19). Cosson (2006) destaca, nesse sentido, que a experiência literária não só nos permite saber da vida pela experiência do outro, mas também vivenciar essa experiência. “Ou seja, a ficção feita palavra na narrativa [...] permite que se diga o que não sabemos expressar e nos fala de maneira mais precisa o que queremos dizer ao mundo, assim como nos dizer a nós mesmos” (COSSON, 2006, p. 17).A leitura, então, devido à coerência mental que pressupõe e que sugere, apresenta a capacidade de humanizar , diferenciando o indivíduo entre os demais, facilitando a ele o reconhecimento do mundo e dos outros e auxiliando no seu próprio reconhecimento diante do mundo, ao antecipar experiências e expectativas. Para Mello (2002),ler é antes de mais nada compreender, e compreender é ser. A linguagem revela a experiência da vida, registra os sentidos simbólicos de que está impregnado o real. Diante de um texto, o leitor não apenas decodifica signos: ao compreendê-lo, transforma-o e transforma-se também. Por esse motivo, a leitura é uma atividade fundamental à formação do indivíduo (MELLO, 2002, p. 170).Cosson (2006) destaca também que compreender um texto não significa aceitá-lo, mas para que a atividade de leitura seja significativa é preciso estar aberto para a multiplicidade do mundo e para a capacidade da palavra de dizê-lo, ou seja, abrir-se ao outro para compreendê-lo. Assim sendo, “o bom leitor [...] é aquele que agencia com os textos os sentidos do mundo, compreendendo que a leitura é um concerto de muitas vozes e nunca um monólogo. Por isso, o ato físico de ler pode até ser solitário, mas nunca deixa de ser solidário” (COSSON, 2006, p. 27).Giasson (2000), por sua vez, compara a leitura a uma orquestra sinfônica, ou seja, não basta cada músico conhecer a sua partitura, é preciso, além disso, que todas as partituras sejam tocadas de forma harmoniosa pelo conjunto dos músicos. A autora destaca, ainda, que assim como há diferentes maneiras de se interpretar

Ler é Saber 2008